Francisco Jesus FRAGUIAL 2008-02-10 01:21:28
Amadeo Souza Cardoso/Amedeo Modigliani
por Francisco Jesus (FRAGUIAL)
Amadeu de souza Cardoso, na sua primeira fase de pintura, ainda muito experimental, o verbo que ainda se conjuga é ainda o PROCURAR, uma procura que é também uma convergência de interesses comuns, mas acima de tudo uma soma de revelações artísticas.
Talvez porque o desenho seja a forma mais iniciática do pensamento plástico e também porque o artista se terá sentido à vontade nesta disciplina, parece evidente que Amadeo, munido dos instrumentos próprios, terá ensaiado no suporte do papel outros caminhos, paralelos mas alternativos, para uma afirmação mais autoral e que movimentarão o futuro da sua obra.
O que cronologicamente terá coincidido com o convivio mais estreito com artistas como Modigliani, Brancusi e o Grupo do Delta. A sua relação com Modigliani surge bastante documentada. Este foi certamente o mais importante encontro do artista português com um estrangeiro, os dois curiosamente chegados a Paris no mesmo ano, com o mesmo nome de baptismo e com vários traços comuns, o porte altivo e aristocrático, a beleza e a determinação. Com destinos artísticos muito diferentes, ambos morrem com pouco mais de trinta anos. O acontecimento mais relevante desta amizade é a exposição conjunta que realizaram já em 1911, no luxuoso atelier do português na Rue Colonel Combes (com convidados de honra como Picasso, Guillaume Apollinaire, Max Jacob e Ortiz de Zararte). Brancusi, em carta para Paul Alexandre, confirma a data e o acontecimento, estando também confirmado o envolvimento deste escultor na organização e divulgação do evento. Uma Cariátide, datada de Março de 1911, e que Amadeo terá recebido de Modigliani ou trocado por alguns dos seus desenhos. Um dos sinais mais comoventes da cumplicidade dos dois artistas. Mas as afinidades evidentes na linguagem gráfica, com a natural ascendência da arte negra, redescoberta (e em circulação intensa), não deverá alimentar jogos de mimetismo.
Os dois artistas concentram-se na representação da figura feminina, mas cada um afirmando a sua própria identidade e perspectivando linhas de trabalho diferenciadas.
Modigliani, nos desenhos como nas esculturas, realizou um trabalho obsessivo de representação da mulher, a partir de um conceito de idealidade de um enigma feminino. Fetiches de felicidade e de plenitude, elas tornam-se imagens de devoção, imutáveis e fechadas no seu indecifrável imobilismo. Conhece-se a adesão psicológica aos seus modelos, sabemos como a sua vida foi comandada pelo ritmo desses encontros e paixões, ao contrário do seu amigo, cuja vida sentimental cedo foi regulada por uma conjugalidade aparentemente firme e tranquila. Para Souza Cardoso a representação da mulher será apenas o motivo de uma das muitas experiências plásticas que irá desenvolver. Grande parte destes desenhos são a base de um trabalho sobre os volumes, a articulação dinâmica das formas, o sentido da velocidade. Os corpos são aptos ao movimento surpreendidos por gestos amplos e velozes. E logo aqui se adivinha como o artista avança sobre as formas, as utiliza enquanto lhe servem de suporte a uma pesquisa, logo passando a outras.