NOTAS BIOGRÁFICAS
Luís Athouguia nasceu em 1953, em Cascais, Portugal. É diplomado pelo IADE, Instituto Superior de Design, em Lisboa. Ilustrou capas de livros de grandes autores nacionais e internacionais (Criativo da Portugália Editora, 1977/81). Colaborou em equipas de Projectos de Interiores e Arquitectura. Participou em importantes Bienais de Arte, encontros de Arte Postal e Acções de Solidariedade. Desde 1983 realizou mais de duas centenas de exposições de Pintura.
Distinguido com o Prémio Vespeira de Desenho em 1997 na Bienal do Montijo e com o Prémio Internacional de Artes Plásticas "Valentín Ruiz Aznar" em 2004, Granada, Espanha
Exposições individuais (selecção)
2007 Galeria São José, Lisboa
Galeria Paços do Concelho de Torres Vedras
Castelo de Ourém
2006 Museu da Água, Estação Elevatória dos Barbadinhos, Lisboa
Museu Municipal de Estremoz
Biblioteca Municipal de Ponte de Sor
2005 Galeria Pepper’s, Caldas da Rainha
Galeria Municipal de Leiria
Galeria Aquarius, Guarda
2004 Galeria Titara, Sobreiro, Mafra
2003 Galeria MAC – Movimento de Arte Contemporânea, Lisboa
Galeria Municipal de Almeirim
Galeria 4 Montras, Viseu
2002 Palácio Pombal, IADE, Lisboa
Ordem dos Médicos – Galeria de exposições, Lisboa
Galeria Artur Bual, Amadora
Galeria CTT, Lisboa
Museu Martins Correia, Golegã
Galeria BCN – Art Directe, Barcelona, Espanha
2001 Galeria Fábrica das Artes, Torres Vedras
Galeria Municipal de Albufeira
Capela da Misericórdia, Sines
Centro Cultural de Lagos
Museu de Electricidade, Lisboa
Convento de São José, Lagoa
2000 Galeria Municipal de Arte de Abrantes
Galeria Pepper’s, Caldas da Rainha
Galeria Municipal do Barreiro
1999 Galeria de Arte de Arruda dos Vinhos
Galeria Vieira Guimarães, Tomar
Galeria de Fitares, Sintra
1997 Galeria dos Escudeiros, Beja
1996 Galeria Maria Lebre, Tomar
1995 Galeria de São Mamede, Lisboa
1993 Galeria Velásquez, Valladolid, Espanha
Paços do Concelho de Ponta Delgada
Galeria 12 A, Lisboa
Exposições Colectivas (selecção)
2007 Projecto ARS nueve, Paseo del Arte, Centro Puerta de Toledo, Madrid, Espanha
Centro de Congressos de Lisboa
2006 II Exposição Arte na Planície, Monte do Cortiço, Montemor-o-Novo
Galeria Arte G, Emoções Revisitadas, Viseu
Galeria Arte Contempo, Iniciativa X, Lisboa
Convento do Beato, Antiguidades e Colecção, Lisboa
Galeria L M, Colectiva, Sintra
2005 Galeria Arte Contempo, Iniciativa X, Lisboa
FAIM, VI Feira de Arte Independente, Madrid, Espanha
Sharjah Museum of Contemporary Art, Emirados Árabes Unidos
10 Anos do Museu Jorge Vieira, Galeria dos Escudeiros, Beja
Bienal de Artes Plásticas da Cidade de Montijo
Bienal de Artes Plásticas de Mafra
2004 Galeria Pedra do Guilhim, Nazaré
Paço da Cultura, ASTA, Guarda
Galeria Linhares, Arte no Desporto, Lisboa
Sala Aires de Córdoba – Asociación Cultural, Espanha
Asociación Cultural Valentin Ruiz Aznar, Granada, Espanha
2003 Galeria MAC – Movimento de Arte Contemporânea, Lisboa
Galeria Artur Bual, Amadora
Unesco Palace, Beirute, Líbano
Marea Negra “Prestige”, Recinto Ferial, Pontevedra, Espanha
Galeria Abraço, “Com-fio”, Lisboa
2002 Bienal do Montijo
Galeria Maré d’Arte, Carvoeiro
Arteline Galeria, Exposição inaugural, Lisboa
Museu Regional de Sintra
Galeria do Montepio Geral, Lisboa
Museu de Arte Sacra, Alcochete
2001 Galeria Fábrica das Artes, Cristo e a Arte, Torres Vedras
Galeria Pedro Sem, Lisboa
Hotel Alvor, Algarve
Galeria Die Galerie, Ericeira
Galeria Pirâmide, Lisboa
Centro Cultural de Nazaré, Circunspecção
Galeria Arte Directa, Lisboa
Bienal Avante, Seixal
Galeria do Ministério da Justiça, DGAJ, Lisboa
Galeria Abraço, Lisboa
2000 Convento de S. Francisco, Monsaraz
Recreios da Amadora, Milénio Intemporal
Casa de Cultura D. Pedro V, Mafra
Galeria Arthouse, Contraste, Cascais
Quinta das Cruzadas, Linhó, Sintra
Galeria Municipal de Rio Maior
Museu Agrícola de Riachos
Centro Cultural de Vila Nova da Barquinha
1999 Galeria Municipal de Alcanena
Galeria Municipal de Azambuja
Tagus Park, Pólo Científico de Oeiras
Galeria Ler Devagar (exposição inaugural), Lisboa
Culto do Espírito Santo, Convento de Cristo, Tomar
Galeria Iosephus (homenagem a Artur Bual), Lisboa
Galeria Cólicas (exposição inaugural), P. Rol, Torres Vedras
Bienal do Montijo
Museu Municipal do Bombarral
Galeria A Dega, Lisboa
Galeria Castelo Maior, Cascais
1998 Galeria 65 A, Lisboa
Expocig, Palácio da Independência, Lisboa
Expoarte 98, Passeio Marítimo de Cascais
Galeria Roca, Marinha Grande
Galeria Tabu, Torres Vedras
Galeria Maria Lebre, Tomar
Galeria Arte-café e Moira, Lisboa
1997 Bienal de Vila Nova de Cerveira
SNBA, "Obras sobre papel", Lisboa
Bienal de Cascais, "Utopia 97", Casino do Estoril
SNBA, Fundação Portuguesa de Cardiologia, Lisboa
Bienal do Montijo
Galeria Arte Directa, Lisboa
1996 Palácio Pombal, "Projecto Cais", SEJ, Lisboa
1995 Galeria Potthoff, Lisboa
Galeria Conventual, Alcobaça
"Gala do Zoo", Casino do Estoril
Galeria de São Mamede, Lisboa
IX Bienal Avante, Seixal
Centro Cultural de Belém, "Dia Nacional do Engenheiro", Lisboa
1994 Galeria de São Mamede, Lisboa
Caixa Geral de Depósitos, "África Amiga", Lisboa
Convento de Cristo, Nómadas, Tomar
Galeria Margem, Faro
Bienal de Artes Plásticas Feira Popular de Lisboa
1993 Centro Cultural de Belém, projecto "Criarte", Lisboa
Casa de Arte, Lisboa
Convento da Graça, Torres Vedras
Isabela´s Art, Nómadas, Estoril
Galeria Municipal de Torres Vedras
1992 Galeria de São Mamede, Lisboa
"PortArte", Galeria Municipal de Portimão
Galeria Municipal de Torres Vedras
1984 Sociedade Nacional de Belas Artes, Pequeno Formato, Lisboa
1983 Galeria Metrópole, Lisboa
"Sorriso", Bairro Alto, Lisboa
Bibliografia
Artes Plásticas Portugal, O Artista, Seu Mercado, de Narciso Martins, Adrian Editora
Catálogo Nacional de Antiquários e de Arte, Estar Editora
50 Anos de Pintura e Escultura em Portugal, Universitária Editora
Pintura em Portugal 2001, Universitária Editora
Arte em Agenda 2004, Universitária Editora
Cotação de Artistas Portugueses em Leilões, Jean Pierre Blanchon
Jornal Nova Era, imagem da capa do nº 1 (Nov 2001)
Magazine das Artes Plásticas – nº 1 (Out 2002), Editora Turispátria
Programa Entre nós, RTP África, entrevista para Universidade Aberta
O Coral – (capa e design) Poemas de Sophia Mello Breyner Andresen – Portugália Editora
Os Sonhos – (imagem da capa e design) Pierre Daco – Portugália Editora
Pecados de Philip Fleming – (capa e design) Irving Wallace - Portugália Editora
Songs for no Voices – (imagem da capa) Poemas de Nigel Mcloughlin 2004, Belfast, Irlanda
Blood – (imagem da capa) Poemas de Nigel Mcloughlin 2005, Belfast, Irlanda
Dissonances – (imagem da capa) Poemas de Nigel Mcloughlin 2007, Belfast, Irlanda
A Arte de Pensar – Compêndio de Filosofia 11º ano, 2004, Didáctica Editora
Criative Minds – 2004, Art Slam Press, EUA
Creadores – Edições Aires de Córdoba, 2004, Córdoba, Espanha
Algumas Representações
Fundação EDP, Lisboa
Museu da Água, EPAL, Lisboa
Fundação Cupertino de Miranda
Merck Sharp & Dohme, Portugal
Sharjah Museum of Contemporary Art, Emirados Árabes Unidos
Centro de Arte Contemporânea de Sines
Fundação Portuguesa de Cardiologia
Ordem dos Médicos, Lisboa
Câmara Municipal da Amadora
Câmara Municipal do Barreiro
Câmara Municipal de Leiria
Câmara Municipal de Arruda dos Vinhos
Câmara Municipal de Alcanena
Câmara Municipal do Montijo
Câmara Municipal de Sintra
Câmara Municipal de Pombal
Câmara Municipal de Ponte de Sor
Artes, Associação de Artistas do Seixal
Asociación Cultural Valentin Ruiz Aznar, Granada, Espanha
Galeria de Arte Velásquez, Valladolid, Espanha
Aires de Córdoba – Asociación Cultural, Espanha
Federação Portuguesa de Cultura
Banco Internacional de Crédito, Agência de Leiria (Autor em exclusivo com 13 obras)
Em inúmeras colecções privadas em Portugal, Europa, Brasil, Guatemala, Uruguai, Argentina, Malásia, Líbano, USA e Canadá.
Comentários Críticos
Escreveram sobre a sua obra: Artur do Cruzeiro Seixas, Fernando Grade, Álvaro Lobato Faria, Manuela Gonzaga, Vicente Borges de Sousa, Manuel Rodrigues Vaz, João Antero Ferreira, Zeferino Silva, Pedro Rodrigues, José Eliseu, José Bivar, Paulo Machado de Jesus, Francisco Arroyo Ceballos, Eduardo Nascimento, Joan Lluis Montané, Margarida Ruas Gil Costa e Rui Matoso.
TEXTOS CRÍTICOS
CRUZEIRO SEIXAS IN CATÁLOGO GALERIA SÃO MAMEDE
Há por certo uma grave crise na pintura, como a há na política. Muita gente pinta para ganhar dinheiro; e, outros haverá que estão convencidos que as coisas corriqueiras que fazem estão perto da genialidade. Mas de facto NOVO há realmente muito pouco – ou é novo, este tão prolongado e tão dolorosamente evidente NÃO HAVER, reflexo de uma crise das mais excepcionais da história, que não permite qualquer hipótese de amanhã. A Bósnia, a SIDA, a droga, ou o metropolitano de Tóquio são horrores do nosso dia a dia; mas mesmo sem se ser parvamente optimista, se torna evidente que o mundo não vai acabar, que ao fim do túnel a luz vai irromper – com que intensidade e quando e com que exigências, é que ninguém pode prever.
Entretanto encontra-se gente que pinta ainda fora dos circuitos da celebridade real ou fictícia, e seria sobre estes que eu gostaria de escrever, mas é sobre os que das mil e uma maneiras possíveis já atingiram a celebridade, que insistentemente se escreve e reescreve.
O Luís Athouguia quis mostrar-me a sua pintura; trata-se de pedaços de sonho, jardins para os nossos olhos passearem, lembranças obscuras, iluminações intermitentes, palavras tresmalhadas, janelas da sua alma, a sua natural respiração.
É evidente que esta minha linguagem não é a que se adequa à circunstância de um prefácio. E de resto quem, sem algum risco, pode entre milhões de pretendentes eleger hoje um único? Por isso se diz de uma qualquer pintura aquilo que se podia dizer de uma qualquer outra. Quanto a mim, é nada sabendo, que tento apresentar este pintor à vossa sensibilidade.
Sempre agradecerei, entre as coisas mais belas que me aconteceram, o ter sido das primeiras vozes a referir o Raul Perez, a Paula Rego, o Mário Botas ou o Manuel Amado. A eles o agradeço, pois de forma tão excelente, souberam confirmar a cegueira da minha paixão.
A pintura do Luís é encontro e desencontro, é uma certa dose de solidão, é um eco, uma ténue ponte, a luz da madrugada, o discreto marulhar da água na secura da paisagem, a fronteira entre o ontem e o hoje, um projecto de viagem.
A verdade é que já não há coluna gótica que não tenha a sua motorizada, como se fossem irmãos de sangue, ou mesmo amantes. E reconhecido está, que os nossos pés são sempre terra estrangeira.
Por vezes naquilo que o Luís guarda em pastas, e por certo aparecerá noutras exposições suas, há momentos exaltantes, como o da beleza dos seus desenhos de 1985, que são manuelinos como alguns desenhos do Areal, e pedem um editor que infelizmente por agora não temos.
Sei lá o que vai acontecer a esta pintura amanhã? Mas hoje, não posso deixar de homenagear nela gente que é desconhecida, e deveria ser conhecida. Quero referir as quatro paredes deste atelier onde há pintura de familiares do Luís, que por estranha maquinação do meio ou da estória não nos foi mostrada ainda. No Luís cumpriu talvez, essa pintura, uma parte da sua missão.
É evidente que isto não é um prefácio, que não o sei fazer, e que me vanglorio disso. Sensatamente quando do nosso encontro, disse-lhe que não contasse comigo para prefaciar esta sua primeira exposição individual em Lisboa, mas regressado a minha casa foi-me impossível manter esta prudente intenção, e aqui lhe deixo este abraço algo amargo, de que me desculpo. Não posso deixar de lhe pedir, ou de lhe exigir, sempre mais liberdade e invenção; mas o mais difícil é saber ir até onde a liberdade e a invenção não nos escravizem.
Se o ter-me pedido algumas palavras me dá algum direito, tomo-o para lhe pedir que não tenha pressa de ser reconhecido, e que não vista a sua pintura à última moda de Paris ou Nova-Yorque. Quantos anos esperou Picasso para ser mostrado em museu? Pois hoje mal terminado o quadro, há logo quem vá bater apressadamente à porta do museu, o que não posso deixar de interpretar como o fim lamentável de todo o impulso revolucionário.
Lisboa, Março de 1995
JOAN LLUÍS MONTANÉ DA PERCEPÇÃO À FORMA, ONIRISMO E TRANSCENDÊNCIA
A sua obra está dividida em duas vertentes: a geométrico-abstracta e a deliquescente, gestual. Na primeira desestrutura temáticas, realidades que se convertem em outras realidades que não têm necessariamente que ver com a real, em partes de um puzzle que muda a cada momento, mas mantém a sensualidade cromática, a força da divisão produzida pela introdução da cor negra, enquanto a sua outra produção artística é mais densa, deliquescente, desligada de estruturas formais, produto das suas elucubrações abstractas.
A sua produção pictórica move-se entre mundos diferentes, um, o real, o que se nutre de referências directas, precisas, de uma realidade que não é a nossa mas que procede da que partilhamos, ainda que a desestruture, mediatize, avançando das essências que a conduzem, porque não lhe interessa a descrição, procurando outras inscrições procedentes do mundo onírico, do submundo dos interstícios da fenomenologia da própria variabilidade da existência. Tudo está sujeito a mudanças, não há virar de página, porque não existe o real estático, senão uma visão dinamizada da mesma, em que tudo é mudança e daí a presença de fragmentos, de realidades formais que nos conduzem a outras realidades inventadas, mentais, neuronais ou até procedentes de outros mundos. Não está neste mundo, mas num intermédio, entre a vigília e o sonho, a meio caminho entre a viagem astral e a proposta visceral de uma maneira de visionar a existência mais além das condicionantes biológicas.
Esta sensação aumenta na sua obra mais abstracta, na qual tudo parece fluir, ser produto de circunstâncias e momentos que transformam cores, formas e conceitos, que viajam com a força da luz, que se desintegram e se voltam a integrar. Não há nada de estranho nisso, porque o importante não é o que se vislumbra, mas sim o que o artista quer dizer-nos. Quer dizer que a sua mensagem é complexa, quer comunicar muitas coisas, todavia não é transparente, mas sim produto da acção de diferentes energias que acedem e se ligam à sua própria infra-estrutura.
Quer, a todo o momento, propiciar uma reflexão em torno da realidade existente, dotar-nos de uma visão distinta, de um pensamento referente à própria vontade de ser transparente, lúcido, de veicular-se em linha com propósitos que se baseiam na profilaxia do sistema de geometria surreal abstracta que se encontra no cosmos da sua micro realidade.
Ordenado, calculador, deixa fluir mas controla as energias, dirigindo-as aos objectivos plásticos que lhe interessam, procurando controlar o descontrolo das formas, incidindo nas possibilidades de expressão das linhas plasmáticas que interligam as energias que nutrem cores e formas.
Visiona a realidade a partir dessa outra existência, fomentando a ideia de liberdade contida no onirismo da sua temática, baseada nos prolegómenos da sua vidência. Não está neste mundo, mas num intermédio, entre a vigília e o sonho, a meio caminho entre a viagem astral e a proposta visceral de uma maneira de visionar a existência mais estruturada em torno da fragmentação das partículas.
Joan Lluís Montané
de la asociación internacional de críticos de arte
Madrid, Junho de 2005
RUI MATOSO A GÉNESE DE UM MUNDO A HAVER
A adolescência do fogo incendeia a solidão nua
e respira a rosácea de um permanente limiar
em que a lava se torna cristal e a agonia plácida volúpia
António Ramos Rosa
1. Nada parece ser tão óbvio e consensual como a metamorfose do trabalho de um artista. Ao longo da sua vida a obra transmuta-se em direcções por vezes inesperadas, novos materiais e suportes podem surgir trazendo consigo a possibilidade da descoberta de visões ainda inéditas. A produção artística de Luís Athouguia não é alheia a esta transformação vital, mesmo enquanto perduram os materiais ou as técnicas que a suportam.
Mantendo-se numa rigorosa, mas dupla, fidelidade ao pastel seco e à aguarela, as mutações plásticas do seu trabalho são suficientemente visíveis e, vêm percorrendo uma subtil viagem da forma sobre a superfície áspera do papel.
Como no caminhar cujo destino ainda se desconhece, a obra de Athouguia move-se naturalmente por si mesma, entregue a um saber-fazer manual e quotidiano. Mas é só a partir de uma perspectiva abrangente da sua produção – desenho e pintura – que se torna possível observar essa deslocação do traço, que nasce com um registo mais abstracto e orgânico, para se inscrever agora – nas mais recentes pinturas – como representação e narrativa.
2. A fase actual da obra de Athouguia alterou radicalmente as regras da relação com o observador, a comunicação metafórica tornou-se um imperativo quando antes era apenas mera hipótese. Estas pinturas exigem uma forma peculiar de interacção simbólica e lúdica, propondo-nos cenários para todas as encenações que conseguirmos manter entre os personagens que nelas habitam.
Em contraponto com os trabalhos mais antigos e viscerais, onde a imagem provinha de um gesto informal (sem objectivos premeditados de representação ou figuração), a produção actual faz uso de uma linguagem plástica elaborada, com uma sintaxe e uma semântica bem desenvolvidas e muito específicas. Há mesmo um repertório de figuras, de símbolos ou de acções que vão sendo manipulados de forma persistente, fazendo e refazendo múltiplas ficções em torno daquilo que parece ser uma única mitologia. E se há mitologia é porque há mundo, mundo metaforicamente transfigurado em visão.
Ou seja, aquilo que de fundamental Luís Athouguia nos propõe é a partilha da sua mundividência, da sua concepção estética do cosmos, apresentada e fragmentada em cada obra materializada a pastel seco sobre papel.
Se numa etapa anterior o artista nos propunha um acesso à sua obra recorrendo quase exclusivamente a um virtuosismo retiniano e alucinatório, desenhando ou pintando num registo que me atrevo a designar como abstraccionismo-orgânico (visceral-vegetal), solicitando do observador pouco mais do que o olhar atento, actualmente algo mais está em jogo.
3. Se admitirmos então como natural a metamorfose plástica da obra, podemos também aceitar a mudança operada no artista da ideia de arte, da sua arte. É possível passar de uma crença baseada na suposta beleza visual da obra – as cores, as formas, as texturas que exprimiriam as emoções do artista –, ou na beleza convulsiva se quisermos atender aos predicados de origem surrealista, para uma compreensão onde se inclua ainda uma dimensão cognitiva, e consequentemente, uma tarefa de interpretação. Nesse caso, compreender uma obra de arte é interpretá-la tão correctamente quanto possível, perceber que ela é portadora de uma determinada organização do mundo. Esta corresponderia a uma perspectiva não apenas experiencial da emoção estética mas também cognitivista da arte.
O que estes novos trabalhos de Athouguia trazem a campo é essa inaudita possibilidade, a possibilidade de, através de um sistema simbólico próprio, o observador poder desenvolver por si uma teia de conexões entre os diversos elementos simbólicos pertencentes a um mesmo alfabeto pictórico (sistema) relativamente decifrável.
Qualquer sistema simbólico consiste num conjunto de símbolos que interagem entre si, a que podemos também chamar esquema, e numa função simbolizante do símbolo que é a que permite identificar o seu referente. Apesar de a manipulação de símbolos não ser exclusivo das artes – a ciência também os usa em abundância –, a história da arte é fecunda no uso de esquemas simbólicos, designadamente no período maneirista e barroco (anagramas, emblemas, alegorias), estando bem patente na obra gráfica e no desenho de alguns dos maiores mestres, cujos elementos referentes constituíam uma segunda leitura, hermética, das obras.
No caso de Luís Athouguia, a simbologia utilizada é constante e idêntica, daí a certeza de estarmos perante um sistema, ou se se preferir, um alfabeto. Alguns desses caracteres (figuras) são facilmente identificáveis: o cedro, a escada (degraus), montanhas, o homem, o peixe ou a seta, formam, em cada pintura, uma rede de significados interdependentes, um horizonte onde se desenrola um jogo – ou vários jogos – entre as figuras-símbolo, suscitando micro-narrativas de índole mitológica: a génese de um mundo a haver.
Há, portanto, muitos sistemas simbólicos diferentes, cujas convenções internas são a chave que nos fornece a identificação daquilo que é representado. Como as convenções (regras) não nos são fornecidas à priori, surge normalmente o problema da interpretação dos códigos subentendidos em cada símbolo ou sistema.
A única solução passa pela aprendizagem, pela iniciação em determinado contexto cultural, científico ou artístico. Daí que, em obras com estas características, sejam sempre úteis todas as pistas deixadas pelo autor, e uma das mais importantes é sem dúvida o título dado à obra. Através de uma operação de nomeação é possível accionar a dimensão poética do símbolo-palavra, cujas características funcionais acrescem às do símbolo-pintura, permitindo assim uma melhor, mais completa, aproximação ao enigma do objecto artístico colocado diante do olhar.
Na pintura cujo título é “limiar de fenómeno” (2005) a denominação presta-se a conferir uma característica temporal à acção representada, uma suspensão na duração do tempo – um limiar para um acontecimento prestes a ocorrer –, a partir desse momento todo um imaginário de tipo apocalíptico (como sinal do fim dos tempos ou da revelação eminente) é convocado para engendrar um lugar virtual destinado aos elementos figurados que constituem a pintura em si. Este é apenas um exemplo de como a metáfora escrita pode contribuir para a tarefa de decifração que o observador/investigador terá de enfrentar em cada um dos cenários propostos pelo artista.
Torres Vedras, Fevereiro de 2007
FERNANDO GRADE O FUNDO DO MAR PERTENCE AOS FUNDOS DO UNIVERSO.
Há muitos anos, em Amsterdam, no Dam, travei conhecimento com um casal exótico (ele - mulato do Senegal; ela - francesa de Ardennes). Aqueles dois e eu éramos, ao tempo, balzaquianos, mas por baixo, ou seja, idades de 30 e pouco, e falávamos em Francês sobre pintura e seus arredores. A rapariga chamava-se Francine, nunca esqueci; o senegalês, cujo nome não me lembro, era de Dakar, isso fixei.
O jovem pretendia ganhar a Holanda em arte, tinha cabelos esbaforidos de hippy e, no bolso, uma mancheia de travel-cheques do papá africano. Soba do mundo. O jovem viageiro mostrou-me alguns desenhos e aguarelas, e eu disse-lhe:
- Tu trabalhas pouco. O trabalho é o centro do universo! Não há pintor sem trabalho, manual ou mental. E ter os olhos abertos para.
Por antinomia, lembrei-me do que vou dizer a seguir. O camarada d'artes Luís Athouguia apresenta-se como um trabalhador emérito. Procura. Impõe-se na luta pela forma. A pintura requer a aquisição de uma gramática pessoal. Mas quero fazer alguma história, começando por alfa.
A primeira presença (quer individual quer colectivamente) de L. Athouguia, no concelho do Seixal, denota, da parte do Autor, as mesmas preocupações estético-espaciais que norteiam, desde o início da actividade, a sua obra plástica.
Nascido em Cascais, no ano de 1953, L.A. começa a expor 30 anos depois.
Reconhece-se que a linguagem esgrimida não tem sofrido sobressaltos ou abanões, porquanto, descoberto o trajecto próprio, gravitando numa zona de luz e sombra, de facto, peculiar e brandindo um entendimento transformista do acto estético, jamais Athouguia desmanchou esse equilíbrio formalista e vivencial, esse modo incomum de dispor os matizes no plano.
Tais pinturas, muitas vezes soberbas, constroem-se no doseamento das cores, na interacção, tudo é conseguido a pulso, já que existe um labor muito consistente.
Não existe presença humana, memórias de casas ou de corpos glorificados ou destruídos nos suportes de L.A. Tudo acontece (ufano ou soturno, embruxado ou luminar) nas profundezas do mundo marinho ou nos espaços siderais em fora, mormente nestes últimos referentes onde através dos quais - mais milhão ou menos milhão de anos - a matéria irá cansar-se de criar, perderá eficácia e vai regressar ao ponto zero e quedo e misteriosamente pacato de que saiu. Para depois, decerto – decerto? - voltar a explodir...
A linguagem do Autor serpenteia à volta e no âmago de uma meada cromática de matrizes fascinantes onde a luz (do étimo latino luce) é rainha, não consorte, não de par de cama, mas rainha-mor; trata-se de uma luz vivaz, que já fecundou o pó, pô-lo a caminho, rumo à pátria da água. Abeiramo-nos, afirmativamente, de um sonho com maiúscula, mas, para lá da construção desse habitat onírico, descortina-se um adestramento superconseguido na combinatória das cores, que são fixadas ou impostas ao suporte impelidas pela força táctil das mãos. Porque é pintura a pastel seco. Daí que o modus faciendi nunca passe pela utilização de pincéis ou trinchas ou outros utensílios.
A mão dá a cor e confere a dimensão desmedida. O espaço, mesmo pictórico preenchido no todo, respira sempre. Em termos judicativos, isso satisfaz-me muito. Por opção pessoal, agrada-me imenso, ou não fosse eu adepto da espacialidade, ou não fosse o autor destas linhas um dos fundadores (1964-1965) do Movimento Desintegracionista Português.
A verdade é que a mão à solta significa trabalho. Perseverança. Arte. "...golpe de asa", parafraseando o genial poeta e suicida Mário de Sá-Carneiro. Foi o esforço e foi o trabalho que agigantaram o macaco e fizeram-no ascender a homem. Ao longo de muitas, muitíssimas eras.
Os pintores vivem especialmente dos olhos e das técnicas pessoais que tenham conseguido desenvolver. Este paradigma constitui o cerne da estilística de Athouguia. Porque as boas intenções não bastam. Os conteúdos têm sido sempre os mesmos ao longo da História. Os autores originais são os que conseguem contar de jeito novo as histórias/estórias velhas.
Luís Athouguia afigura-se-nos ser um artista renovado, com uma pulsão encantatória nos objectos visuais que desvenda. Acaba, outrossim, por mostrar-se cénica a sua proposta; em definitivo, situada entre um diapasão de ruptura e o gosto lavado que a Arte assumida no tempo confere, desde os Gregos (de notável qualidade de pensamento, mas profundamente ignorantes...) até ao signo dos foguetões sábios, dos beijos cibernautas e dos corações feitos de lata e arames.
Exposição TONALIDADES DO SONHO
Corroios, Seixal, Julho de 2000
MARGARIDA RUAS GIL COSTA IN CATÁLOGO EXPOSIÇÃO MUSEU DA ÀGUA
Arte é uma investigação sobre instantes, acontecimentos e encontros a partir da circunscrição do espaço. É a memória da passagem do tempo e dos limites em que esse tempo acontece - morte e nascimento, princípio e fim.
No Universo de Cor de Luís Athouguia, essa investigação, deixa em suspenso os planos os contornos e as texturas para substancializar uma atmosfera de luz e cor, onde a profundidade, a superfície, o interior e o exterior se embrenham em reciprocidade total, concebendo um local esvaziado, um vácuo que cria no observador a sensação de vertigem ou de abismo.
Um dia, Sir Walter Rayleigh disse:
"O Homem não pode dar uma razão para que a relva seja verde e não vermelha ou de outra qualquer cor."
É isso que Luís Athouguia nos transmite, circunscrevendo-nos a esses locais sem que para isso nos tenha de prescrever nada cumprindo o livre arbítrio.
Bem Haja!
Margarida Ruas Gil Costa
Directora do Museu da Água
Lisboa, Março de 2006
PAULO MACHADO DE JESUS SOBRE O PINTOR LUIS ATHOUGUIA
Conheci o Luís, há mais de vinte anos através de amigos comuns e desenvolveu-se o nosso convívio numa amizade que se entreteceu ao mesmo tempo que eu aprendia a conhecer e admirar a obra do pintor que ele também é. A pouco e pouco foi ganhando lugar a importância do pintor de tal forma que o que escrevi em 1997 continua, talvez com mais força, a ser verdade hoje. Relembro o que então escrevi sobre ele: "LUIS ATHOUGUIA e um Esteta e um Pintor. A ordem destes termos e impossível de definir pois a Estética confunde-se, na sua vida, com uma Ética cavalheiresca que rege todos os seus gestos, a sua postura perante a vida, perante a Arte, perante os privilegiados que o podem contar como Amigo. A pintura vive-a como quem precisa dela para respirar: vive com ela, vive para ela, vive nela."
Herdeiro de uma família tradicional e ligada às artes, os Athouguia (Pinto Basto), ele é bem o reflexo desse húmus familiar de tradição aliada à modernidade. Tradição nutrida na família mas da qual ele, o artista, se liberta e, como um alquimista, transmuta nas visões que nos oferece, parecendo dizer-nos com um sorriso fraternal: tomem-nas, procurem nos meus devaneios os sinais dos vossos sonhos, nos caminhos da minha liberdade os vossos próprios sinais.
O pastel é o meio privilegiado da sua expressão plástica. Difícil e moroso tem pouca tradição na pintura portuguesa. Assim LUIS ATHOUGUIA cultiva esta técnica como um artista mas também como um artesão, como um antigo mestre de Ofício, trabalhando diariamente na sua oficina-atelier, sempre limpa e arrumada, sempre pronta, como uma taça, a recolher, com a alegria que transparece na sua obra, o néctar da inspiração.
Das vibrações ora viscerais ora minerais que habitavam nas suas obras da década de noventa, LUIS ATHOUGUIA fez nascer paisagens novas, construídas com recurso a símbolos antigos que parecem, e insistem, em querer viver de novo em lugares ora oníricos, ora num mundo próprio, em algum outro lado de um qualquer espelho, luminoso e feliz, onde aos símbolos se juntam manchas de cores, com vida própria, criando espaço e volume em matizes de luz, característica tão própria da sua obra.
Em 2005 ajudei-o a receber no seu estúdio um grupo de amigos do Colégio Washington & Lee, Universidade da Virgínia. Eles viveram a surpresa do encontro com a funcionalidade e luminosidade de uma oficina-atelier, sem dúvida a mais limpa e arrumada que já tinham visto. Curiosamente na Internet, na página da Washington & Lee, a viagem desse grupo americano era anunciada descrevendo Portugal como "Europe's hidden jewel" (a jóia oculta da Europa).
Parafraseando os seus admiradores americanos eu classificaria a arte de LUIS ATHOUGUIA, sem dúvida, como uma jóia, felizmente cada vez menos oculta, da pintura portuguesa contemporânea.
PAULO MACHADO DE JESUS
Antiquário/Leiloeiro/Avaliador
Exposição FIGURAÇÃO ONÍRICA
Ponte de Sor, Junho de 2006
RODRIGUES VAZ LUÍS ATHOUGUIA: PAISAGENS DE ALMA
Tendo surgido logo no começo da sua obra com um discurso que parte de uma necessidade que começa e termina com o quadro, em que as emoções não só passam pelo crivo da pintura, mas também dimanam dela, convertendo a sua obra numa causa, Luís Athouguia prossegue num território pictural muito pessoal, inequivocamente singular, intensificando cada vez mais as razões que o levam à verbalização tanto de objectivos como de instantes transitórios inerentes ao processo da pintura.
À medida que a sua obra se vai desenvolvendo, é crescentemente nítido que parece que esteve todos estes anos anteriores à procura do seu lugar no mundo, tentando adaptar-nos às suas idiossincrasias, ao mesmo tempo que, como se de terra profunda se tratasse, a pele que percebemos da sua obra houvesse sido lavrada, preparada, semeando a extensão de emoções sobre a qual hoje se pintam os canais de um argumento sensitivo sobre o suporte de uma dimensão que conhecemos.
A pintura de Luís Athouguia faz-se levantar, deste modo, a si mesma, deixando o fundo como linha de um horizonte que alivia esteticamente outras esferas de continuidade objectual. Objectual na medida em que, dentro do mesmo estrato, a intenção do artista concilia com a nossa percepção os diferentes planos.
Tendo evoluído nos últimos anos para uma depuração cada vez mais carnal, a sua obra é cada vez mais pintura e sempre o será, os esquemas é que variaram. Vão deixando, no entanto, canais que animam o surgimento de elementos com corpo, plasmando através de manchas lineares e em ricas entoações cromáticas as inquietudes do mundo moderno. Expressionismo, geometrismo, colorismo; mediante eles o pintor propõe espaços plásticos nos quais junta o reflexivo e o poético e intuitivo, o geometrismo e rigor e o lirismo.
As suas imagens pictóricas delineiam sobretudo uma unificação de formas, uma acumulação de traços/manchas de cor em distintas direcções, organizados de forma aparentemente aleatória, em vertical, horizontal, diagonal, numa reconstrução plástica e reflexiva do plano. O primeiro traço é o que marca a pauta à conformação do resto das manchas de cor, e a repetição e o horror ao vácuo é o resultado de construções abstractas que para o artista são algo também real, uma existência com todas as suas contradições e ambivalências.
Nas suas elaborações plásticas, Luís Athouguia utiliza diferentes formatos e, a partir daí, adapta umas formas que se vão criando e transformando em visões plenas de dinamismo, caos, serenidade, força, negação ou afirmação... segundo a direcção do núcleo inicial, sobrepondo e confrontando cores distintas, criando velaturas e zonas opacas, iluminando e sombreando, jogando, enfim, com o elemento plástico e com todos os seus efeitos, isto é, manifestando o duplo aspecto da liberdade e da dimensão espiritual da cor e da abstracção.
De certo modo as suas composições são estados de alma, ou por outro, paisagens de alma, sintetizando o real ao convertê-lo em linhas e planos, dois elementos essenciais que são suficientes para dizer tudo. Ou, o que é o mesmo, optando pela representação do universal submetendo o detalhe ao conjunto e desterrando toda a particularidade individual, mas sem deixar, no entanto, de preservar nas suas pinturas o lirismo, o espírito expressivo do interior.
RODRIGUES VAZ
Exposição EU CONTRA MIM Sobreiro, Mafra, Maio de 2004
ÁLVARO LOBATO FARIA IN CATÁLOGO EXPOSIÇÃO SPECTRUM
Uma rígida e estruturada disciplina, formaliza e geometriza a sua arte.
No domínio da suavidade cromática, contrasta e harmoniza o intelecto do emotivo.
Sentir a sua arte, é sentir o equilíbrio do movimento a sensatez da vida, o optimismo no amanhã, retratados linha por linha, forma por forma, cor por cor, nos seus desenhos figurativos esquemáticos, como também no abstracto geometrizado.
Foi o que senti ao observar pela primeira vez a pintura de Luís Athouguia, comoveram-me as pulsações tensas, contidas, redutoramente serenas, que emanavam da sua obra.
A matéria que ao mesmo tempo anunciava a sua substância secreta que despejava em torno de si próprio, os efeitos multiplicadores da sua linguagem.
O límpido cromatismo de um universo cujo porvir da sua gramática se ajustava a novos conceitos, construía e desfazia ícones, mitos, sob o jugo de irrestrita fidelidade a uma certa sintaxe geométrica, atrás da qual se escondiam labirintos lógicos, previstos pelo artista.
Seguro do seu ofício, na obra de Luís Athouguia, não se localizam vestígios de submissão a aventuras inconsequentes, e com lugar de crescente destaque nas artes plásticas portuguesas, o seu trabalho, originário de profunda reflexão, fertiliza-se por força de um quotidiano artístico rigoroso, pairando sobre a sua criação aquela dimensão lírica e melancólica que só um artista subtil como Athouguia tem a graça e o poder de ostentar.
Porém, se o artista é soberano sobre a sua obra, haverá, por certo, quem veja/invente, nas suas superfícies, um pouco de paisagens, de ruínas, de vegetais e mares.
Antes, porém, o universo do artista prevalece.
Luís Athouguia, apresenta-nos esse seu universo criativo onde se destaca a capacidade técnica e o talento de um bom artista da contemporaneidade portuguesa.
Pintor das formas e da cor mostra-nos num clima alegórico, a sensibilidade crítica e pureza técnica.
Sem grandes detalhes, ele recria os seus sonhos, com uma perfeita harmonia das cores e sobriedade nos encantamentos que revela.
Faz-nos parceiros de tanta beleza que cria, levando-nos ao mundo das fantasias que busca na incessante faina de criador, traduzindo assim, toda a sua autenticidade, nos trabalhos que nos apresenta.
Há um lugar especial para artistas como Athouguia, que através de percepções do quotidiano, daquilo que parece vulgar, sabe tocar a sensibilidade alheia.
O pintor coloca-se entre os bons coloristas, com bastante talento realiza a sua obra, provando que sabe bem caminhar nas artes a que se dedica, e nisso tem e dá prazer.
É por esta razão que a obra de Luís Athouguia nos surpreende e anima, na unidade da força que habita nas suas cores, a necessária sobriedade das suas composições em que a pintura assume toda a sua razão de ser de uma profunda poesia num acto criador contemporâneo.
Pintura despojada, sintética e envolvente.
E cada vez mais pintura. PINTURA SÓ.
Galeria MAC, Lisboa, Março de 2003
ZEFERINO SILVA IN CATÁLOGO EXPOSIÇÃO SPECTRUM
Imagens de grande impacto visual, que apesar de abstractas evocam um acontecimento onde a dimensão palpável do real, num gesto de silenciosa paixão, nos transporta à contemplação, retrata memórias, encarna desejos.
O nosso olhar passeia pelos seus quadros e o prazer é permanentemente revigorado pelo rigor técnico, um domínio da matéria, uma invenção de claridades e transparências marcadas em acordes rítmicos de cor e luz, reflexo da paixão mútua entre o artista e o cromatismo, a iconografia e riqueza vocabular da sua pintura de uma real qualidade criativa.
Há duas décadas que Athouguia se dedica a construir pinturas, investigando os elementos integradores de uma linguagem pictórica muito própria.
As suas obras mostram exercícios de criação cromática, dos quais uns derivam de sistemas de aprendizagem e outros, da criatividade emotiva do artista face à pintura que configuram o empenho, o ensaio e a vontade de Athouguia penetrar na intimidade da cor e, naturalmente, da luz que revelam aos nossos olhos.
A pintura de Luís Athouguia é pois de um lirismo moderno, porque tem a beleza e toques de convulsões emocionais próprios da actualidade.
Galeria MAC, Lisboa, Março de 2003
JOÃO ANTERO FERREIRA O MERGULHO AO MICROMUNDO
Pintura a pastel de imagens micro aumentadas para um mundo macro. Os símbolos do quotidiano utilizados de uma forma não conceptualista, o contraste cromático e lumínico, o jogo das formas, as ramificações capilares e a utilização das cores, as manchas de contornos enevoados, ajudam a construir a viagem ao interior do mundo.
Luís Athouguia
Desde pequeno que se refugiava no seu «canto» a desenhar, desenhar a eito, do retrato ao abstracto, sem qualquer objectivo definido. Desenhava para si, primeiro como uma brincadeira, depois como «hobby». Os amigos, aliás, já o conheciam por essa sua qualidade de estar sempre a desenhar: era num jardim, em casa dos amigos, nas festas, agarrado ao lápis e ao papel. E como não podia deixar de ser, Luís Athouguia diplomou-se no IADE e, apesar de pintar há já vinte anos, apenas expõe há treze, consecutivos.
A pintura surgiu como uma evolução natural do desenho, na mesma linha do traço e da mancha, o que o levou a optar desde muito cedo pelo pastel. Conhecidas minimamente as características do pastel, a sua preferência, entre o pastel de óleo e o pastel seco, recaiu sobre este. Não deixou de tomar contacto, nem tampouco de aprofundar a técnica da aguarela, do óleo ou do acrílico, durante o seu tempo de aluno no IADE, mas o material que continuou a melhor apreciar foi o pastel, pelas suas qualidades infindáveis.
Mas, paralelamente ao desenho e à pintura, e também como «hobby» Luís Athouguia fez muita fotografia. Pormenores das pequenas coisas do quotidiano por que geralmente se passa e nem sequer se toma conhecimento da sua existência, da sua cor, da sua textura e, principalmente, da sua mensagem. São pormenores de tinta a cair duma qualquer parede, são ombreiras de uma porta, pedaços de um pneu, de um lenço ou de uma corda, são vidros partidos, papéis amontoados ou ferrugens arrastadas pelas águas. Entre o mundo descoberto pelo visor da sua máquina e a sua pintura existem muitos pontos em comum. São imagens macro de um universo microaumentadas para o macromundo. É o olhar para a coisa ínfima, para a coisa sem importância, emprestando-lhe a importância que as pessoas, normalmente, não lhe atribuem. A fotografia ajudou-o muito na leitura da sua pintura, a qual não é figurativa nem gestual, nem tampouco abstracta, embora um pouco abstractizante.
O seu canto
Um belíssimo atelier em pleno coração de Lisboa, e, ainda assim, isolado do ruído urbano e do ramerrão das horas de ponta. Na separação do profano para o sagrado do seu atelier, uma entrada palaciana de assombrosa magnitude neo-realista. Lá dentro, uma «casa de bonecas» artesanal, construída pelo artista, transpirando a sua personalidade em cada peça de mobiliário, em cada objecto decorativo. A ambiência é de total calmaria, numa luz velada, propícia à meditação.
Luís Athouguia gosta de pintar ao som da música, preferencialmente New Age. É a música que melhor o ajuda a uma libertação de espírito, criando um ambiente propício para que «aconteça qualquer coisa». Dentro deste estilo de música, varia a sonoridade dominante mais para o oriental, para o árabe, para o escocês ou para o americano, conforme o próprio estado de espírito em que se encontra. Gosta mais de pintar a partir do fim da tarde e pela noite dentro, não só por haver menos barulho, menos agentes exteriores como telefone e campainhas, mas por ser um horário mais propício ao fluxo que por ele passa, desligando-se dos seus problemas mundanos e pessoais. Para Luís Athouguia é imperioso pintar todos os dias, mesmo que não surja algo de especial. Entre o riscar e o traçar, e entre o manchar com o polegar e o observar, o pintor constrói um pouco mais de si.
A procura
Não procura retratar a humanidade em si, mas o que é exterior à humanidade. Sem querer ser muito ambicioso, procura tratar dos assuntos de Deus, o que transcende o quotidiano do ser humano. É, no fundo, uma outra dimensão, na qual utiliza muitos dos símbolos que compõem a comunicação e que fazem parte do dia-a-dia da humanidade, não como um fim, mas como um meio. Quando pinta, sente-se como condutor entre um emissor, no caso, uma entidade superior que, não sendo Deus, está um pouco em todos nós, e um receptor, neste caso, a tela ou o suporte. Ou seja, pinta uma vivência e um estado de espírito a que muitas vezes se chama «o outro lado».
Cromaticamente, Luís Athouguia comanda conscientemente os trabalhos, escolhendo e aplicando as cores que sente melhor se ligarem ao que pinta, ora de tons quentes ora de tons frios, muitas vezes em contrastes não provocatórios. A sua pintura tem uma forte ligação com a luz, num jogo de contrastes claro/escuro, em que a luminosidade parece esconder-se atrás dos primeiros planos, espreitando aqui e ali o momento certo para saltar ao nosso encontro. As manchas são separadas por contornos algo enevoados, aumentando a indefinição de objectividade. Se no início da sua pintura se notava uma ligação muito conceptualista de intenções no que respeita a simbologia e aos signos utilizados, com o evoluir natural da abordagem, a mensagem está mais liberta, sem necessidade de se evidenciar tanto.
«É pintando muito que, por vezes, a «luz» nos toca, o que leva a que haja um percurso pictórico que não é necessariamente muito bom. Fazem parte dum lote de pequenos exercícios. É como a folha do escritor que vai para o lixo porque a frase não saiu com o impacto necessário». São os seus momentos, a sua vivência que fica ali registada. É como que pôr as coisas em ordem.
O que está feito não é de todo a obra perfeita, e como o que Luís Athouguia procura é algo próximo da perfeição, tem de continuar a procurar, consciente de que apenas foi dado mais um passo na direcção certa. «O que eu prefiro é aquilo que ainda não fiz».
O seu percurso pictórico, olhando-o friamente, sugere como que um atravessar de uma densa floresta de cardos e espinhos, em que, com o passar do tempo, se vão dissipando, como que se aproximando de uma clareira, de uma paisagem tranquila, mas não bucólica. Algumas das suas telas são autênticos vitrais pictóricos, onde se chega quase a adivinhar o que se esconde lá fora. Outras são olhares microscópicos com o olho nu da alma. Outras ainda são rápidas espreitadelas para o interior do além, em que a força das imagens permite um registo marcante.
Revista Olá! Jornal Semanário
Lisboa, 13 de Julho de 1996